Este artigo tem por objetivo principal apresentar de maneira introdutória alguns dos mais fundamentais conceitos e noções envolvendo as questões relacionadas às estruturas em rede: a sua organização e as formas de separação de seus principais setores de atividade; associando a esta apresentação, uma introdução de alguns dos principais embates envolvendo o desafio da desregulamentação destas estruturas, muitas vezes integrando bens e serviços considerados essenciais às demais atividades econômicas e ao desenvolvimento. A intuição principal mostra que propostas de mudança organizacional, em favor da liberdade, passam pela consideração da importância da eliminação do monopólio legal.
Introdução: Estruturas e Organização em Redes
{1} O começo de uma análise mais aprofundada da produção e organização de bens e serviços estruturados em rede, poderia ser realizado desde uma separação de seus principais pilares de funcionamento (1): esta separação permitiria realizar tanto um estudo setorial quanto um estudo da coordenação e interação destes diferentes grupos de atores e setores de atividade compondo a estrutura organizada. Ela abriria, então, a possibilidade de análise dos quadros organizacionais referentes às estruturas em questão, notadamente, a viabilidade de proposições de mudança organizacional e institucional.
{2} Portanto, para uma análise ainda mais detalhada, visando melhor apreender os factores técnicos associados a estes setores, é conveniente privilegiar uma abordagem que coloque maior ênfase na característica intrínseca a estes bens e serviços: ou o simples fato de serem atividade em redes. A finalidade de uma rede é permitir a comunicação de um grupo de nós à partir de arcos afim de garantir o fluxo de pessoas, mercadorias e informações. Para melhor decorticar as atividades em redes é possível se fazer alusão à noção de ‘strate’ e à ‘Teoria das Três Camadas’ apresentada por Nicolas Curien (2000), uma abordagem na qual é feita uma separação vertical e horizontal de todas as atividades associadas a uma organização.
{3} Verticalmente, a infraestrutura, ou a “camada baixa da rede”, é o suporte material permitindo a intermediação entre as conexões da rede de transporte; a infoestrutura, ou a “camada média da rede”, é o aparelho que pilota a utilização das infraestruturas em vista de efetuar a melhor intermediação possível entre as conexões; e finalmente, a terceira camada é associada aos serviços finais (a “camada alta da rede”), se trata do grupo de bens e produtos oferecidos pela rede de transporte que são consumidos diretamente pelos usuários. Horizontalmente, dentro de cada atividade pode ser necessário ou cómodo de se realizar uma separação reagrupando as principais “subredes” que integram a organização, ou que compõem a rede principal (2).
{4} Esta abordagem não deixa, portanto, de estar sujeita a questionamentos, ou apresentar, mesmo, certas limitações. Para Anne Perrot (1995), que se fundamenta nos conceitos e bases teóricas da economia industrial tradicional, uma das dificuldades subjacentes diz respeito à identificação, nas estruturas organizadas em rede, da fronteira entre as atividades onde supostamente existiria um monopólio e as atividades onde existiria concorrência. Se a estruturação em strates permite revelar com mais facilidade o que incorpora e diz respeitos às infraestruturas, onde supostamente a organização da produção deveria privilegiar o monopólio, ela não fornece, todavia, e na prática, segundo a autora, elementos suficientemente pertinentes para a delimitação das atividades correspondendo ao monopólio, principalmente quando deixamos de nos situar nos casos simples de divisão da estrutura em dois estágios (infraestruturas e serviços). Tomando como exemplo o caso do setor aeroportuário, a autora ilustra sua interpretação (p. 59):
“Lorsqu’on considère des réseaux un peu plus complexes que des constructions rudimentaires à deux étages infrastructure/services, les réponses à cette question cessent d’être triviales, la difficulté́ provenant des interactions verticales entre les différentes “couches” du réseau. Que l’on songe par exemple au transport aérien, pour lequel il convient de distinguer les infrastructures (aéroports), le réseau de contrôle aérien, les systèmes informatisés de réservations (SIR) et les services de transport en soi. L’imbrication de ces diverses activités rend complexes le découpage des différents étages et l’analyse du type d’organisation qui devrait leur être appliqué.”
{5} Indo ainda mais adiante, Perrot sublinha que, quando se colocarem questões regulamentárias, esta abordagem deixaria, de certa forma, em aberto interrogações relativas à tarificação, à natureza da relação que deveria existir entre o operador das infraestruturas e o órgão responsável por sua “tutela”, ou ainda, como se organizaria a concorrência pelos setores de infraestrutura (processos de leilão) e nos setores onde ela poderia de fato existir. Por se fundamentar neste arcabouço teórico da economia industrial, Perrot comete, a meu ver, os mesmos erros que a maioria dos economistas fundamentando-se na teoria neoclássica quando pretendem abordar as questões relativas à concorrência: na verdade, acredito, eles talvez não tenham de fato concebido adequadamente como funcionaria verdadeiramente o processo de mercado e a competição em uma economia de livre contractualização.
{6} Realizando uma crítica ainda mais fundamental a este processo de separação, Florence Barrale (2000) propõe que ele teria substituído a referência tradicional ao conceito de monopólio natural, que incorpora tradicionalmente as questões envolvendo a produção e gestão neste tipo de estruturas. O ponto negativo, para Barrale, viria da negligência da importância que a noção de monopólio natural teria para o tratamento dos problemas tradicionais relacionados à relação regulamentador-operador dos serviços de redes, problemas estes de ordem contratual, de estudo e enquadramento dos incentivos e tratamento das assimetrias informacionais, desafios que teriam sido devidamente expostos em trabalhos mais modernos como os de Laffont e Tirole (1993).
{7} Além de cometer talvez o mesmo erro que Anne Perrot e a maioria dos economistas relativamente à concepção da concorrência, Florence Barrale teria procurado centralizar sua crítica à separação das estruturas em redes, de certa forma, através de uma definição das organizações em rede demasiadamente focalizada na complementaridade das atividades envolvidas e nas externalidades dela decorrendo, no que alguns descreveriam como o caráter “bens de sistema” destas estruturas. Barrale, em qualquer escala, poderia cometer o erro de minimizar as questões puramente estruturais, justamente negligenciando em sua definição de redes que, muito mais fundamental que a complementaridade, é a própria organização estrutural da rede que serviria de referência para sua definição. Acredito que a complementaridade não poderia ser facilmente colocada no coração da definição da rede, pois isto, em qualquer medida, tornaria sua definição muito frouxa, visto que praticamente qualquer atividade produtiva tem algum grau de complementaridade com alguma outra atividade, todas tendo em qualquer escala a necessidade de coordenação técnica entre elas. Embora a própria autora confirme este sentimento em seu artigo, ela não deixa, portanto, de centralizar sua crítica nesta concepção (p. 9-10):
“La caractéristique essentielle du réseau est que les éléments qui le composent sont complémentaires les uns avec les autres. La complémentarité entre les composants du réseau est la source des externalités de réseau. Mais cette caractéristique n’est pas spécifique au réseau (…) La complémentarité entre les éléments du réseau est, avant tout, technique et organisationnelle. Les complémentarités qui caractérisent le réseau, parce qu’elles sont la source d’externalités positives, sont au cœur de la problématique de cet article.”
{8} Talvez a autora, ao buscar recuperar a centralidade do conceito de monopólio natural para a compreensão e organização da produção e gestão das estruturas em rede, tenha apenas encontrado, mais nitidamente, os limites que esta construção teórica apresenta, limites estes bem conhecidos por autores que compreenderam efetivamente o funcionamento dos processos de mercado, como autores austríacos. Mas ainda, colocar ao centro da análise a complementariedade, por esta ser o motor das externalidades próprias as redes, teria também mostrado os limites que esta noção econômica aparentemente útil apresenta. Finalmente, a separação técnica não somente é possível, mas ela ainda permite que as principais atividades envolvidas na estrutura possam em alguma forma adquirir devida autonomia, como foi comprovado, não somente em teoria, mas em alguns casos em setores de infraestrutura como o transporte aéreo. Mas nesta separação reside justamente o que Barrale considere um “perigo”: a introdução de uma separação vertical e/ou horizontal em cada setor de produção engajaria a concepção de cada setor como uma estrutura de mercado podendo adquirir autonomia e funcionar sobre critérios de livre precificação e concorrência.
{9} Tentemos ilustrar como se organizaria a separação vertical de alguns dos principais setores e serviços eventualmente estruturados em redes:
Externalidades de Rede: Economias de Escala e Congestão
{10} Embora não seja necessário colocar este aspecto como central, uma das especificidades e propriedades fundamentais das estruturas em redes é exibir externalidades de rede, ligadas tanto ao consumo quanto à produção (Katz; Shapiro 1985). As atividades em rede apresentariam, em primeiro lugar, externalidades de demanda, ou efeitos diretos de rede, assimiláveis aos efeitos presentes nos bens de clube, associadas e decorrendo da quantidade de utilizadores. Quanto mais pessoas utilizarem uma determinada rede de bens e serviços, mais o valor marginal associado ao simples fato de pertencer à rede se estende.
{11} Em segundo lugar, as estruturas organizadas em redes apresentariam externalidades de oferta, ou efeitos indiretos de rede, assimiláveis ao seu tamanho. Quanto mais um nó fizer conexões com outros nós, mais estendida é a extensão da rede, mais um participante beneficia de economias de escala ligadas ao simples fato de pertencer a uma rede maior e mais abrangente. Em outras palavras, a potência da rede depende de sua extensão do mesmo jeito que a potência de um organismo ou entidade pertencente a esta rede depende da sua dimensão dentro da rede.
{12} As organizações em redes, como é o caso nas redes de transporte aéreo ou redes de comunicação, apresentam ainda particularidades associadas aos problemas de congestionamento. Quando um elemento da rede sofre ou engendra algum tipo de congestionamento, por sobre-utilização por exemplo, todos os outros elementos a ele conectados são afetados. Como qualquer outro tipo de externalidade, o congestionamento descreve simplesmente a situação na qual as atividades de um organismo influenciam as de outro organismo sem que isto passe por uma relação de mercado.
{13} Os efeitos externos, pela ausência de direitos nítidos de propriedade devidamente delimitados, implicam dificuldade em estabelecer-se responsabilidades e responsabilização, o que dificulta o pré-estabelecimento das condições enquadrando possíveis relações de mercado, visto que a devida responsabilidade e responsabilização, por decorrer diretamente da afetação dos direitos de propriedade, determinam o escopo de transferabilidade destes direitos. Caso não haja acordo prévio, isto significará dificuldade em determinar um nível de indemnização ou escopo das trocas voluntárias que possam devidamente recompensar mutuamente os custos sociais envolvendo as atividades relacionadas. Nestes casos, o próprio processo de responsabilização é opaco, visto que uma das características das “externalidades” é que muitas vezes a determinação dos direitos de propriedade ou não foi e não pôde ser claramente estabelecida, ou padece da possibilidade de execução.
{14} Na presença destes efeitos externos, soluções de mercado poderiam, de fato, emergir, por exemplo, internalizando os efeitos externos às relações (Coase 1960), através de um melhor planejamento buscando atribuir previamente o critério de responsabilização e a determinação de cláusulas enquadrando a extensão dos efeitos externos e quais seriam privilegiados dos mecanismos de resolução de eventuais diferendos que eles implicariam.
{15} A título ilustrativo, tal é o caso quando previamente os produtores e gestores das estruturas do sistema em redes prevêem ou estabelecem o critério de responsabilização por eventuais problemas de efeitos externos, digamos, por motivo de congestionamento devido à sobre-utilização de determinado serviço por um componente da rede em determinados períodos. O que se determinou, na verdade, foi um esquema relativamente precário, grosseiro ou primitivo de direitos de propriedade e, visto que a responsabilidade e a responsabilização decorrem da delimitação de direitos de propriedade, o que se determinou foi apenas um sistema de transferências de direitos de propriedade ou indemnização em ocasião de violação destes direitos. Nestas circunstâncias, o direito de propriedade poderia ser similar à propriedade comum das estruturas interconectando o sistema, ou a propriedade do operador delegando o aluguel a eventuais concorrentes utilizando a rede.
{16} Obviamente que nesta situação o acordo voluntário estatuando essa norma privada que rege a conduta referente à utilização da rede permitiria promover o estabelecimento de um sistema de indemnizações, onde x horas de congestionamento, quando o responsável é detectável, custaria y dinheiros; e terminaria por garantir a existência de um sistema de seguros que minimize os riscos envolvendo a atividade. Desta maneira, as consequências externas à relação produtiva seriam praticamente todas internalizadas. Além do sistema internalizando os custos sociais através de indemnizações, voluntariamente pré-estabelecidos, é possível que emerja um mercado permitindo que sejam negociados os direitos relativos aos efeitos externos, evidentemente quando o arranjo organizacional já previu, minimamente bem, e os agentes envolvidos consentiram, previamente, a extensão e escopo da apropriação sobre efeitos externos.
{17} Estes levantamentos devem servir, sobretudo, para uma devida reflexão sobre as razões econômicas que explicariam a implementação de monopólios e fechamento de setores à concorrência, em estruturas em rede. Como lembrou Henri Lepage (1978), estas razões nunca devem ser consideradas como imutáveis, pois elas estão estreitamente ligadas à tecnologia e às etapas de desenvolvimento técnico que transcorrem ao longo do tempo. Se em determinadas circunstância, região e período o arranjo “público” poderia se revelar menos danoso, para alguns, não se deve deixar de admitir que em muitas ocasiões ele é mais um obstáculo ao desenvolvimento de certas atividades do que um processo concedendo continuamente benefícios sociais. O fato da empresa ter status privado é certamente vantajoso, mas ainda mais importante é que exista uma pressão concorrencial e liberdade de entrada, ou seja, a condenação de todo “monopólio legal”.
“(…) de deux choses l’une : ou bien, le monopole « public » est réellement justifié par des raisons économiques qui font qu’il est la formule d’organisation de l’industrie « naturellement » la plus efficace, et on ne voit pas comment une entreprise privée pourrait trouver de son intérêt de venir le concurrencer sur son terrain, à moins d’avoir des goûts suicidaires ; ou bien, le monopole n’est pas la formule d’organisation la plus économique, et alors l’intérêt de la société est qu’il disparaisse. Dans les deux cas, on ne voit pas ce que le maintien formel d’un droit de monopole public apporte à la société, sinon protéger certains intérêts particuliers.” (Lepage, p. 244)
{18} Os setores estruturados em redes foram por muito tempo submetidos a uma regulamentação associada a sua configuração de monopólio, supostamente entendido como ‘natural’. O incremento técnico ou o progresso tecnológico, associados a uma reflexão teórica mais aprofundada, conduziram a um movimento de desregulamentação e abertura à concorrência, em diversos setores e regiões ao longo das últimas décadas. Seguindo este espírito, façamos então uma última investigação sobre o quadro no qual repousam estas mudanças organizacionais e alguns dos desafios que enfrentam as propostas de mudança dos arranjos de governança.
Quadro de Análise e Eliminação dos Monopólios Legais
{19} Tome-se uma estrutura em rede tal qual ela interpretada pela teoria econômica neoclássica, ou seja, uma combinação de setores onde figura um monopólio ‘natural’ (1), e setores onde existiria potencial para competição (2). Nos transportes ferroviários, (1) englobaria, por exemplo, as estruturas de trilhos, sistemas de sinalização e estações de trem; (2) englobaria os serviços de transporte de passageiros. Classicamente, nesta perspectiva, teríamos então o setor de infraestruturas (Monop), a rede de distribuição (Rede), e os serviços oferecidos aos diferentes mercados (Mercados A,B). O quadro de análise standard de uma estrutura em redes centralizada poderia ser ilustrado na figura que segue:
{20} Caso uma única empresa esteja encarregada das infraestruturas associadas à produção, da rede de transmissão e da comercialização dos serviços associados, ela tem o direito de determinar como queira os preços vinculados à cada uma das estruturas: o que inclui desde o preço de acesso as suas estruturas até o preço final dos serviços prestados. No setor aéreo, por exemplo, isto incluiria as tarifas de uso das estruturas aeroportuárias, as tarifas de acesso aos corredores aéreos e serviços de navegação, até o preço das passagens cobradas pelas companhias aéreas que ela possui, na totalidade. Caso tomemos o saneamento, a empresa repassará então, neste caso, as tarifas aos consumidores de acordo com os custos de produção e de tratamento das águas de suas centrais, os custos de manutenção e instalação das redes de esgoto e tubulações para transporte de água de suas redes de distribuição, e os investimentos necessários e o lucro que julgar sustentavelmente realizável.
{21} O caso mais frequente, neste tipo de arranjo centralizado, é este onde uma empresa governamental opera todas estas estruturas em determinado setor, ou ainda, este onde um conjunto de empresas concorre pelo acesso, ou direito de criação e instalação e gestão de todas as estruturas, adquirindo indeterminadamente, ou por um eventual período de tempo, a responsabilidade sobre estes bens e serviços. Qualquer que seja o caso privilegiado, é geralmente neste momento, dentro desta perspectiva de análise, que entram em campo as questões regulamentárias.
{22} Partindo deste quadro centralizado, é possível compreender como o governo se torna o agente central neste arranjo. E ele ‘pode’, na escala que julgar necessário, enquadrar e regulamentar os aspectos envolvendo a produção, entrada e precificação dos bens e serviços prestados. O governo, por supostamente agir em nome da comunidade, mesmo que sem o consentimento geral, atuaria como mediador ou agente central na relação consumidores e fornecedores (3). Embora a concorrência intra-setorial e inter-setorial em diversos setores de infraestrutura possa de fato existir, mesmo desde a perspectiva teórica neoclássica, em determinados segmentos e escala de análise ela é consideravelmente limitada. Imaginemos que poderíamos conceber diversos produtores e centrais de tratamento de água concorrendo (escala local, regional ou internacional) pelo fornecimento de água tratada e tratamento de dejetos sanitários, pagando eventualmente o aluguel de acesso às redes de transporte de dejetos e água; poderíamos também conceber que diversos administradores e operadores tenham se encarregado de gerir segmentos diferentes de redes de acesso e esgoto, negociando eventualmente o preço de acesso tanto com os demais administradores quanto com os operadores responsáveis pela produção e tratamento das águas; não seria difícil de imaginar que muitas vezes uma firma se encarregue das duas atividades, em qualquer caso, elas delivrariam livremente as tarifas em função dos custos, necessidades de investimento e lucro. Não muda que os consumidores, deveriam considerar quem é o fornecedor de água de determinada região antes de mudar-se ou resolver se instalar. Não existira, localmente, dentro de sua casa, a possibilidade de escolher mudar de operador, ou mudar os prestadores de serviços sanitários, como já vem, por exemplo, ocorrendo com a energia elétrica.
{23} Esta seria uma das principais motivações fazendo com que geralmente se adote, preferencialmente, a opção pelo arranjo centralizado: o leilão a uma firma privada cotada em bolsa que atuará geralmente sob alguma forma de esquema regulamentário ou tutela. A proposta de mudança organizacional, como a total desregulamentação ou liberalização, passa primeiramente pelo reconhecimento destes obstáculos práticos e teóricos levantados pelas estruturas em redes. Não muda, no entanto, que o maior e verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento de novas tecnologias institucionais, é existência dos monopólios legais. Donde a importância de eliminá-los quando se pretende propor um projeto de reforma procurando segmentar as atividades para abri-las à concorrência.
{24} Maior liberdade econômica, quando abordamos as estruturas organizadas em rede, passa fundamentalmente pela eliminação dos monopólios legais. Tal quebra poderia ser um marco em favor da descentralização, do maior florescimento de associações voluntárias representando os interesses dos consumidores, da emergência de novas tecnologias institucionais, e agências de notação julgando os serviços prestados, e melhor funcionamento dos mecanismos de mercado, punindo espontaneamente as firmas ineficientes.
Notas
(1) Se tomarmos como exemplo o caso do setor aéreo teríamos fundamentalmente três grandes estruturas: a indústria aeronáutica e aeroespacial, as infraestruturas aeroportuárias – e os bens e serviços associados ao controle aéreo e auxilio à navegação, e finalmente, o fornecimento de serviços de transporte aéreo. Se tomarmos ainda, como exemplo, o setor energético, ao menos a produção em larga escala de energia, poderíamos separar a indústria responsável pela produção dos componentes integrando as usinas elétricas e estruturas necessárias à produção de energia, e os produtores dos componentes de distribuição e responsáveis pela distribuição de energia. Admitindo o setor ferroviário, a indústria responsável pela produção de vagões e trens, os responsáveis – proprietários e gestores – das estradas de ferro, e os proprietários gestores dos terminais de passageiros. Se estudarmos o setor de saneamento, os responsáveis pelo armazenamento e produção de água potável (tratamento da água impura) e os produtores dos componentes e responsáveis pelas estruturas de distribuição e sua manutenção.
(2) Vejamos mais abaixo uma tabela apresentando a separação vertical e horizontal, e o conjunto de strates e subredes no setor de transporte aéreo, e os serviços associados.
(3) Um argumento que ouvi com certa frequência, é que a vantagem do monopólio público do constrangimento normativo relativamente à empreitadas solitárias ou associativas se faria mostrar nestes casos de figura, e exatamente neste aspecto: a obtenção da unanimidade decisional sem necessidade implícita do consentimento unânime. As questões morais, neste momento, sendo totalmente colocadas de lado face ao paradigma das questões econômicas. Os custos de transação envolvendo a negociação individual dos contratos e das cláusulas contratuais faz com que a organização comunal, instituição onde vigora o monopólio de estabelecimento da norma pública, e o lugar onde estas decisões podem ser tomadas de maneira centralizada, forneça um quadro de execução onde estes custos de transação sejam minimizados, mesmo que isto passe pela decisão unilateral ou decisão de uma maioria democrática eleita, tomando então em qualquer escala de legitimidade o acesso a um entendimento, que poderia lembrar ou se aproximar do consentimento.
Referências
Barrale, F. Critique de la nouvelle économie des réseaux et de son principe de séparation de l’infrastructure et des services. Revue d’économie industrielle, vol. 91, p. 7-24, 2000.
Coase, R., The Problem of Social Cost, Journal of Law and Economics, vol. 3, p. 1-44, 1960.
Curien, N. Economie des réseaux. Editions la Découverte, Paris, 2000.
Katz, M. L.; Shapiro, C., Network Externalities, Competition and Compatibility, The American Economic Review, vol. 75 (3), p. 424-440, 1985.
Laffont, J. J. ; Tirole, J., A Theory of Incentives in Regulation and Procurement, MIT Press, 1993.
Lepage, H. Demain le capitalisme. Collection Pluriel, Librairie Générale Française, 1978.
Perrot, A. Ouverture à la concurrence des réseaux : l’approche stratégique de l’économie des réseaux. Economie & prévision, vol. 119, p. 59-71, 1995.
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